23 de janeiro de 2010

Ocaso_______.


"À hora do ocaso assaltam-nos as memórias do dia, incertos olhamos a ameaça da noite. É a hora da "meditação", do regresso a nós próprios, porque estamos agora nós próprios naquilo que meditamos. O gesto que se cumpre arremessa-nos de nós ou leva-nos com ele tão totalmente, que nada fica para o pensarmos, o discutirmos. É o gesto da "inautenticidade" ou do tempo em que éramos por inteiro. Mas justamente é sobretudo hoje que se poder ser inautêntico, ou seja, dividido, porque é sobretudo hoje o tempo da divisão. Só poderíamos ser unos, se houvesse o que nos unificasse. Mas às formas mais imperiosas da evidência nós submetemo-las hoje à pergunta que separa, à dúvida que destotaliza. E esse é, aliás, o sinal da sua morte. Porque a vida primacialmente "é", e a morte é o que se analisa."

Vergílio Ferreira, in Invocação ao meu corpo - XVII, Na hora técnica