13 de novembro de 2009

...e o peso deste verde que me oprime!________


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Meu corpo, meu corpo.
Companheiro de longos anos, não foi fácil acomodar-mo-nos um ao outro. Porque eu queria tudo o que era da vida, na plenitude do meu ser, a alegria até à exaustão, o prazer até onde o houvesse, e a resistência até onde os outros resistiam. Mas tu tinhas um regulamento especial só para mim, com direitos limitados e uma infindável lista de deveres que eu não sabia senão quando já tinha prevaricado e me aplicavas o castigo irremediável e me obrigavas a pagar com juros dobrados...Assim aprendi duramente a lição do desprendimento, da separação, fechado comigo, na intimidade resignada e severa, se pudesse ser, envelhecendo antes da hora, preparado talvez a tempo para quando a hora chegasse, tratando a vida com delicadeza das mãos que seguram e não prendem para que não houvesse roubo quando ma roubassem, amando intensamente sem amar, para que a crueldade não fosse demais, (...)
Vergílio Ferreira in Invocação ao meu corpo

__________um Dia havemos nascer sem corpo.
A tragédia principal da minha vida é, como todas as
tragédias, uma ironia do Destino. Repugno a vida real como
uma condenação; repugno o sonho como uma libertação ignóbil.
Mas vivo o mais sórdido e o mais quotidiano da vida
real; e vivo o mais intenso e o mais constante do sonho. Sou
como um escravo que se embebeda à sesta — duas misérias
em um corpo só.

Fernando Pessoa in Livro do desassossego